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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Recordando João Amazonas


Com a anistia de 1989, os exilados que retornavam percorriam o País para falarem de suas experiências e integrarem-se às lutas que transcorriam, ainda tímidas, contra o regime militar. No campus da UFPA fui convidado para assistir palestra que o velho militante comunista João Amazonas proferiria no IEP. Interessava-me a palestra, entre outros motivos, pelas recordações das conversas que mantinha com outro velho militante, o Chile Lima, meu conterrâneo de Abaetetuba e contemporâneo de João Amazonas e Pedro Pomar da militância do PCB EM Belém. Nessas conversas, o Chile Lima falava-me das lutas daquele tempo, tendo mencionado um fato curioso. Quando o partidão decidiu que alguns militantes paraenses deveriam deslocar-se para o Sul, a escolha recaiu sobre, Pedro Pomar, João Amazonas e Chile Lima. No dia do embarque no navio que os levaria a seus destinos, o Chile Lima resolveu não viajar para ficar com sua companheira, que estava grávida.

De Belém, na semiclandestinidade, rejubilou-se com a eleição dos outros camaradas para a constituinte de 1946, um por São Paulo e outro pelo Rio de Janeiro. Ao contar esses fatos, Chile Lima deixava transparecer o orgulho daqueles camaradas e achava que sempre teria a mesma sorte se deixasse a companheira para trás. O amor por ela foi maior do que o amor pela revolução.

No dia da palestra, fui a Abaetetuba convidar o Chile para assisti-la, sendo que este não tinha dúvidas de que João Amazonas, ao vê-lo, recordaria os velhos tempos. Retornamos a Belém por volta das 14 horas. A palestra seria às 20 horas. Resolvi ir à UFPA assistir aula e, quando voltei para casa, encontrei o Chile Lima dormindo. Sobre a mesa, o que restva de uma garrafa de pinga, sobrevivente do último estoque que fiz em Abaetetuba. Foi impossível acordá-lo. Resolvi ir assim mesmo e, no final da palestra, contei a história para o João Amazonas, tendo este escrito sobre um jornal a seguinte frase: “Ao camarada Chile Lima, com um abraço do João Amazonas. Espero revê-lo em breve”. Pela manhã do dia seguinte com os protestos de Chile Lima, furioso por não te-lo acordado. Com lágrimas nos olhos, recebeu o jornal com a dedicatória e partiu de volta para Abaetetuba. O Pedro Pomar e o Chile já haviam partido, faz tempo. Agora foi-se João Amazonas. Embora eles não acreditassem, suspeito que neste momento, em algum lugar, continuem conspirando pela paz mundial, para que o povo brasileiro seja protagonista de sua própria história, por um Brasil melhor, sonho de todas as suas vidas e de milhões de brasileiros.


Antônio R. Figueiredo Cardoso
Defensor Público de Bragança
Bragança-PA
P.S: esta carta foi publicada na seção A voz do leitor (O liberal, ano 2002)


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